Ex-protestante

Para católicos e recém convertidos ao catolicismo

Do Abismo à Graça: A Jornada de um Anticatólico à Verdade da Igreja

Meu nome é Kauê Varela, tenho 36 anos. Esta é a história da minha conversão. Não uma história singular, tampouco inédita, mas uma narrativa repleta de peculiaridades.
Fui criado por meus avós. Ou, mais precisamente, por minha avó consanguínea e por seu marido, que, embora não tivesse laços de sangue comigo, exerceu plenamente a função de avô, pai e guia. Esse vínculo, embora não biológico, jamais alterou, nem no passado nem no presente, a forma como os enxerguei: eram, para todos os efeitos, meus pais de criação. Ambos faleceram—minha avó, em 2001; meu avô, no final de 2024.
Minha avó era um verdadeiro labirinto religioso. Transitava entre igrejas evangélicas, assistia à missa na Igreja Católica, realizava trabalhos de Umbanda e mantinha um pequeno altar budista em casa, no qual repousava um pires com moedas. Desses trocados, aliás, não raro eu me apropriava sorrateiramente para comprar balas. Meu pequeno saque infantil foi tão persistente que, com o tempo, restaram apenas moedas estrangeiras ou de valor insignificante—colocar ali quantias mais generosas, como um real ou cinquenta centavos, tornou-se inútil, pois o pequeno Kauê invariavelmente as tomaria para saciar sua gula por tubaína e doces de padarias.
Contudo, se havia uma identidade religiosa predominante no ambiente familiar, essa identidade era o espiritismo. Meu avô nutria uma devoção inabalável à doutrina da reencarnação e possuía uma intensa conexão com o misticismo das energias, das pedras e da alquimia. Entretanto, nunca houve qualquer tipo de imposição. Desde cedo, fui deixado livre para explorar e decidir meu próprio caminho espiritual. Recordo-me vagamente de ter sido levado a algumas celebrações religiosas em minha infância mais remota—mas as memórias são difusas, quase etéreas, ao ponto de eu mesmo questionar sua autenticidade. Na medida em que crescia, essa liberdade se consolidou: “Faça o que quiser, meu filho. Religião é um bem da humanidade, e ninguém pode forçá-lo nem privá-lo dela. Apenas tenha em mente que Deus existe, e que o bem e o mal são realidades incontestáveis.” Esse foi o princípio que moldou minha infância e minha adolescência, servindo de alicerce para a formação da minha personalidade.
Tenho algumas lembranças dispersas de minha mãe me levando à Igreja Matriz de Ubatuba. Na época, os confessionários eram uma presença comum—algo que, hoje, tornou-se menos frequente. Lembro-me das missas, dos papéis litúrgicos que pegava com curiosidade, das pequenas formalidades que, naquele momento, passavam despercebidas por minha consciência infantil.


No entanto, a morte de minha avó, em 2001, trouxe consigo um período de rupturas. Foi repentino. Ela se deitou para dormir e jamais acordou. Embora estivesse gravemente doente, era ainda jovem—provavelmente 52 anos—e sofria de obesidade mórbida. Para muitos, partir assim, sem dor ou sofrimento, pode parecer um fim digno. Mas para aqueles que ficam, a ausência abrupta se transforma num abismo.
Hoje, como psicanalista, compreendo que meu processo de luto foi profundamente problemático. E não apenas o meu—qualquer perda repentina carrega consigo um impacto psíquico devastador, capaz de desestabilizar até mesmo aqueles que julgam estar preparados para a morte.
O luto é um processo inevitavelmente doloroso, mas há diferentes formas de vivenciá-lo. A perda repentina, como a que sofri com minha avó, é um abismo que se abre de súbito, sem qualquer possibilidade de preparação emocional. Já a morte do meu avô seguiu um curso distinto—gradual, anunciado. Ele envelheceu, adoeceu, debilitou-se fisicamente até tornar-se irreconhecível. Com 84 anos, foi hospitalizado, desenganado pelos médicos, e, pouco a pouco, sua presença foi se esvaindo.
Para ele, sem dúvida, foi um calvário, sobretudo porque odiava hospitais. Mas, para os que ficaram, a proximidade da morte trouxe uma espécie de amortecimento psicológico. A cada visita ao leito, o choque inicial era substituído por um lamento resignado: “Veja como ele está…” O processo, embora doloroso, permitiu-nos uma assimilação mais gradual da perda. Diferente foi o caso de minha avó, que partiu de um dia para o outro, vítima de um infarto fulminante.
O impacto dessa perda foi agravado por outro golpe sucessivo: cerca de um mês após a morte de minha avó, faleceu também minha bisavó, mãe de meu avô.

Para ele, foi um baque colossal—em questão de semanas, perdera a esposa e a mãe, dois alicerces de sua existência.
Esse evento desencadeou uma mudança radical. Minha bisavó deixou uma casa em São Paulo como herança para meu avô e seu irmão. O irmão já possuía uma residência confortável, o que levou meu avô a tomar uma decisão que mudaria completamente nossas vidas: vender nossa casa em Ubatuba, comprar a parte do irmão e mudar-se para São Paulo. A razão? O futuro limitado que Ubatuba oferecia.
A cidade, embora bela para turistas, era um cemitério de oportunidades para seus moradores. Ali, os horizontes profissionais se restringiam a cargos como atendente de mercado, balconista de farmácia ou recepcionista de hotel. O ensino superior era inacessível sem deslocamentos diários para cidades vizinhas como Caraguatatuba ou Taubaté. Era um cenário de estagnação. Diante disso, meu avô decidiu partir.


Lembro-me exatamente do 11 setembro de 2001. A referência é inconfundível—o ataque às Torres Gêmeas. Todos que viveram aquele dia sabem onde estavam e o que faziam. Eu já morava em nossa nova casa e, ao voltar da escola, fui surpreendido pela notícia dos atentados não pelo rádio ou pela televisão, mas pelo entregador de marmitas, que chegou à porta com uma expressão de horror, convencido de que a Terceira Guerra Mundial havia começado.
Mas, para além do choque global, minha vida pessoal já estava devastada. Note a data, pois no curto espaço de três meses, perdi minha avó, minha cidade, meus amigos, minha rotina, minha mãe biológica—com quem, apesar da relação distante, ainda mantinha algum vínculo—e até mesmo meu cachorro. Tudo desaparecera. Meu avô, consumido pelo medo da solidão, rapidamente envolveu-se em um novo relacionamento e, sem hesitação, deslocou toda a sua atenção para essa nova mulher. Literalmente semanas após a morte de minha avó, eu já estava sozinho.
Para um adolescente que acabara de perder tudo, não tardou para que a liberdade irrestrita se tornasse um passaporte para a autodestruição. O caminho das drogas era óbvio. Começou com a bebida, evoluiu para o cigarro, maconha, cocaína, solventes químicos e, por fim, crack. Aos 15 anos, eu já estava imerso nesse submundo.
No entanto, aos 14 para 15 anos, uma professora—dez anos mais velha que eu—entrou na minha vida. Tivemos um relacionamento por cerca de um ano e meio. Foi ela quem me apresentou ao protestantismo, marcando meu primeiro contato com a fé evangélica. Por influência dela, abandonei as drogas. Mas quando a relação terminou, o efeito foi devastador: o motivo pelo qual eu havia largado os vícios desapareceu, e mergulhei ainda mais fundo no abismo das substâncias.
A parábola do filho pródigo diz que, ao se afastar do pai, ele esgota toda a sua herança e se vê reduzido à miséria. E quando decide retornar, o pai o recebe de braços abertos. Deus me permitiu ir até o fundo do poço, mas a linha de separação entre a vida e a morte ficou nítida diante de mim.


Eu nunca me envolvi diretamente com a criminalidade, mas estive próximo o suficiente para compreender seus riscos. Como qualquer usuário, precisei lidar com traficantes. Para evitar idas frequentes à “boca de fumo”, comprava quantidades consideráveis de droga de uma só vez, o que significava que, na prática, carregava consigo volumes que, se descobertos pela polícia, me rotulariam imediatamente como traficante. Em diversas ocasiões, andei pelas ruas com 100, 150 gramas de maconha, 300 gramas de cocaína—quantidades que, legalmente, ultrapassavam qualquer possibilidade de defesa.


Então, em um momento de lucidez inesperada, compreendi que algo terrível aconteceria se continuasse naquele caminho. Não sabia se minha morte seria literal ou espiritual, mas a sensação era inegável: Deus havia me protegido até ali, mas essa proteção não se estenderia indefinidamente se eu insistisse na perdição.
Foi assim que, sozinho, ajoelhei-me no chão de minha casa vazia e me entreguei irrestritamente a Deus aos prantos e soluços. Não houve visões celestiais, vozes vindas do alto, nem anjos me levantando em êxtase. Apenas o silêncio. Mas anos depois, ao olhar para trás, percebi que algo mudara. A partir daquele instante, todas as minhas escolhas tomaram um rumo completamente oposto ao que antes parecia inevitável.
Aqui está o refinamento do trecho, mantendo a estrutura e os detalhes, mas elevando a linguagem e a fluidez:

Com o passar dos anos, ao olhar para trás e refletir sobre minha trajetória, percebo com clareza que, mesmo que à época minhas escolhas parecessem meramente naturais, houve, naquele momento crucial, uma inversão de 180 graus no curso da minha vida. O que antes era uma existência pautada pela autodestruição foi, de súbito, redirecionado para algo diametralmente oposto. E assim, o milagre se consumou. Os céus, de fato, me ouviam, ainda que, naquele instante, tudo me parecesse silêncio.
Essa é a lição que extraio para aqueles que leem este relato: muitas vezes, falamos como se estivéssemos diante do vazio, clamamos sem ouvir resposta, mas a realidade é outra. Deus está ali, à nossa espera, ouvindo-nos atentamente. Ele aguarda que tomemos a iniciativa, que lhe demos permissão para agir em nossa vida e para nos conduzir àquilo que sempre esteve em Seu plano desde o princípio.
Após esse evento transformador, tomei uma decisão definitiva: aos 16 anos, voltei para Ubatuba por dois motivos. O primeiro, para me afastar das drogas, pois a cada esquina de São Paulo havia alguém pronto para me oferecer mais um entorpecente. O segundo, para distanciar-me de minha ex-companheira, cujo novo endereço ficava literalmente na rua abaixo da casa onde morávamos juntos. Era impossível seguir em frente com o passado esfregando-se constantemente diante dos meus olhos.
Inicialmente, tentei morar com minha mãe biológica, mas a convivência revelou-se insustentável. Logo, aluguei um quarto por conta própria. Paralelamente, consegui emprego como professor em uma escola de computação, um dos poucos ofícios disponíveis em uma cidade onde as oportunidades profissionais resumiam-se a atender farmácias, mercados ou pequenos comércios. Foi nesse ambiente que conheci meu chefe, um homem que, por influência própria, levou-me a frequentar a Igreja Universal do Reino de Deus.
Permaneci ali por alguns meses. Sempre fui naturalmente inclinado ao estudo e à investigação, e essa característica se manifestou no modo como me envolvi com as pregações. Quando ouvia um sermão, anotava as passagens bíblicas citadas e, ao chegar em casa, analisava o contexto completo da Escritura. Só mais tarde descobriria que essa prática se chamava exegese.
Com o tempo, contudo, comecei a perceber incongruências. Algumas interpretações destoavam claramente do significado original do texto sagrado. Havia uma diferença sutil, mas essencial, entre utilizar uma passagem para ensinar algo positivo e distorcê-la para atender a uma finalidade particular. Essa constatação inquietante seria apenas o primeiro passo rumo a uma longa jornada de questionamentos e descobertas.
Sempre soube que havia certa flexibilidade na pregação, uma margem para que o orador retirasse uma passagem do seu contexto original para ensinar algo positivo. No entanto, o que presenciei não era meramente uma adaptação pedagógica, mas uma distorção deliberada. Eram interpretações que não apenas contrariavam o significado original do texto, mas o subvertiam por completo.
Lembro-me particularmente de um episódio emblemático: a passagem da viúva pobre que deposita sua única moeda no gazofilácio. Certa vez, o pastor da igreja em que eu frequentava usou essa passagem para afirmar: “Vejam, Jesus disse que essa mulher deu mais do que todos porque deu tudo o que tinha. Portanto, vocês devem dar tudo o que têm agora.”
Esse tipo de argumentação era recorrente. Vi essa cena repetindo-se inúmeras vezes. E incomodava-me profundamente. Em uma dessas ocasiões, eu carregava no bolso cerca de 600 reais, dos quais 300 ou 400 estavam reservados para o aluguel. Vivendo em um pequeno quarto, simples, mas bem localizado, a matemática era clara: se entregasse todo o dinheiro, não só ficaria sem moradia como passaria fome. Lembro-me de, naquele momento, dirigir uma súplica silenciosa a Deus: “Perdoe-me, mas eu não posso fazer isso.”
Entretanto, muitos outros fiéis não hesitavam. Vi pessoas doando valores exorbitantes, entregando carros, terrenos, bens de grande valor. Um caso em especial marcou-me: um homem assinou a escritura de sua propriedade para a igreja e, além de doar o terreno, ainda arcou com todos os custos cartoriais do processo.
Foi nesse momento que compreendi como as igrejas neopentecostais haviam deturpado completamente o conceito de “vida em abundância” presente nas Escrituras.


Essa percepção só se consolidou quando passei a observar os padrões de comunicação midiática da Igreja Universal. Não é necessário ser membro para perceber sua estratégia. Como possuem a Rede Record, inserem regularmente testemunhos em sua programação, muitas vezes entrelaçados ao noticiário, no que chamam de “Momento de Paz”. E o que dizem esses testemunhos?
“Eu era pobre, agora sou milionário.”
“Eu era falido, agora tenho dez empresas.”
Jamais se ouvia algo como:
“Eu era um homem perverso, agora sou um cristão”, “Eu era um pai ausente, agora sou um bom pai.” O apelo era essencialmente materialista, utilitarista, reduzindo a fé a um mecanismo de barganha espiritual, onde Deus se tornava um mero fornecedor de prosperidade financeira. Esse padrão não apenas me incomodava, mas me revoltava. Foi então que decidi abandonar a Universal. Passei por outras igrejas neopentecostais, buscando algo genuíno, mas sempre encontrava contradições evidentes entre a pregação e a Escritura. Frequentei a Igreja da Graça, permaneci brevemente na Deus é Amor, visitei templos da Paz e Vida, da Bom Retiro—cheguei, inclusive, a tocar na banda de uma dessas igrejas. Mas, em todas elas, esbarrava no mesmo problema: distorções doutrinárias e apelos emocionais que, em essência, contradiziam o próprio texto bíblico.
Foi nesse período, aos 19 para 20 anos, que conheci minha esposa. E, embora minha conversão ao catolicismo tenha ocorrido muito depois, esse foi um ponto de inflexão fundamental na minha jornada espiritual.
O processo de conversão começou em 2013, quando ingressei no curso de Filosofia. Inicialmente, fui direcionado ao núcleo pedagógico, onde passei seis meses sem qualquer contato real com a disciplina, ocupando-me com metodologias de ensino que, em retrospecto, revelaram-se um tempo perdido. Nenhum dos conhecimentos adquiridos ali teve utilidade prática na minha carreira docente.
Somente em 2014, ao finalmente adentrar os estudos filosóficos propriamente ditos, tive meu primeiro contato com dois gigantes do pensamento cristão: Santo Agostinho e São Tomás de Aquino. Ainda que, no início, minha abordagem fosse estritamente intelectual, sem qualquer intenção de aproximar-me do catolicismo, foi impossível ignorar a profundidade daquelas mentes.
A distinção entre ambos era clara. São Tomás, meticuloso e sistemático, apresentava uma separação bem definida entre a filosofia e a teologia, permitindo que sua obra fosse estudada independentemente do aspecto estritamente religioso. Sua Suma contra os Gentios e grande parte da Suma Teológica possibilitam essa divisão. Já em Santo Agostinho, essa separação é quase inexistente—sua filosofia e sua teologia entrelaçam-se de maneira inseparável.
A partir de 2014 ou 2015, além da imersão filosófica, comecei a me envolver ativamente em debates religiosos na internet. Minha entrada no Facebook ocorreu em 2010, incentivada por um grande amigo, Tiago Camargo. Na época, ele me apresentou a rede social como uma nova plataforma de interação e, sobretudo, de debate.
Durante uma visita à casa dele, lembro-me de sua observação: “Você leva a sério sua fé, não é? Vive como um verdadeiro cristão.” Diante da minha afirmativa, ele perguntou: “Você tem Facebook?”
Respondi, com total desconhecimento:
“Facebook? Nem sei o que é isso.” Houve um tempo em que redes sociais não eram tão difundidas no Brasil, e o Facebook ainda era um território novo para muitos. Tiago me mostrou o funcionamento da plataforma e, em especial, apresentou-me uma página intitulada Associação de Ateus e Agnósticos. A proposta daquela página não era simplesmente questionar a existência de Deus—era atacar, humilhar e ridicularizar os crentes. O tom não era de debate filosófico ou teológico, mas de escárnio puro. E aquilo me incomodou profundamente. Diante dessa provocação, decidi criar minha conta no Facebook com o objetivo claro de refutar os argumentos que ali eram expostos. Foi assim que minha trajetória no ambiente virtual se iniciou—não como um mero usuário, mas como um debatedor.
Criei minha conta no Facebook com um objetivo claro: refutar os supostos “argumentos” que aquela página ateísta vociferava nas redes sociais. O que se vendia como um espaço de debate racional era, na realidade, um palco para escárnio e militância anticristã.
À medida que os debates se sucediam, comecei a ganhar certa notoriedade. Algumas de minhas respostas, formuladas com acidez proporcional às provocações recebidas, eram amplamente compartilhadas. E não era difícil desmantelar as falácias apresentadas ali. Lembro-me, por exemplo, de uma publicação na qual afirmavam que, se Deus existisse, não haveria fome no mundo, especialmente na África.
Respondi no mesmo tom provocativo: “Não sei se vocês sabem, mas já existe algo chamado comida. Principalmente no Brasil, onde se cospe no chão e nasce uma árvore de cuspe. O problema não é a escassez de alimentos, mas sim a corrupção e a ausência de políticas públicas eficazes. A fome sempre foi usada como ferramenta de dominação. Como diria Stálin, a maior arma contra uma população não é a bomba atômica, mas sim a fome e o medo.”
Esse tipo de resposta viralizava, gerando um efeito dominó que me rendeu milhares de seguidores. Em determinado momento, meu perfil pessoal chegou a ter mais de 15 mil seguidores e os 5 mil amigos que a plataforma permitia como limite. Contudo, no auge da minha depressão, deletei esse Facebook e, com ele, perdi contato com inúmeras pessoas. Curiosamente, toda vez que crio um novo perfil, sou adicionado rapidamente por diversas pessoas, como se ainda houvesse um resquício daquela época.
Enquanto eu me envolvia nesses debates, acabei esbarrando em uma nova frente de combate: o catolicismo. Em algum momento, deparei-me com uma página chamada Cai a Farsa Protestante, que, a exemplo das páginas ateístas, se dedicava não a argumentar, mas a ridicularizar a fé alheia. Se antes eu combatia o ateísmo militante, agora me via em oposição ao catolicismo, ainda imerso no pensamento protestante. Não fui apenas um opositor do catolicismo. Eu era um militante anticatólico. Via a Igreja como uma perversão, uma deturpação da fé cristã, uma heresia condenável. Para mim, os católicos estavam fadados ao inferno. E, mesmo hoje, sendo católico, mantenho muitas críticas à página Cai a Farsa Protestante, cujas inclinações ideológicas me parecem, ainda hoje, muito mais perniciosas do que benéficas.
Tive, inclusive, a honra—se é que se pode chamar assim—de ser mortalmente ofendido pelo dono da página, o falecido Paulo Leitão. Ele não tolerava qualquer discordância que questionasse a linha editorial da página, que, sob a máscara de defesa do catolicismo, promovia um discurso alinhado à teologia da libertação e ao comunismo. Os debates se intensificaram e, com o tempo, acabei me tornando um apologeta contrário às doutrinas católicas. Por anos, ataquei a Igreja sem jamais ter me dado ao trabalho de estudar sua doutrina com seriedade. Até que, um dia, alguém me confrontou com uma pergunta simples: “Você já leu o Catecismo da Igreja Católica?” Fui sincero. “Não.” “Então leia”, veio a resposta. “Se você quer refutar algo, refute a doutrina real, não aquilo que você acha que o catolicismo é.” Esse foi um momento crucial. Porque é exatamente isso que acontece: a esmagadora maioria dos que se opõem ao catolicismo não o combatem de fato. Lutam contra um espantalho que eles mesmos criaram. Foi exatamente o que eu fiz. Passei anos atacando uma versão caricata e distorcida da fé católica, declarando vitória sobre um inimigo imaginário.
Quando finalmente adquiri o Catecismo e comecei a lê-lo, minha formação filosófica imediatamente se viu cativada. A introdução, longe de ser puramente teológica, era um deleite filosófico. Página após página, percebi que minhas críticas não tinham fundamento real. Eu havia travado uma guerra contra uma ilusão.
E, quando me deparei com o verdadeiro catolicismo, fui derrotado já no primeiro round. Não houve resistência. Nenhuma contra-argumentação possível. Caí de joelhos, rendido, diante da verdade.
No catolicismo, há inúmeras questões que, até hoje, são alvo de debate, principalmente por aqueles que não compreendem suas doutrinas. Uma das mais comuns é a acusação de que os católicos “adoram imagens”. Esse equívoco decorre de uma interpretação superficial e mal informada. A Igreja não ensina a adoração de imagens, mas sim a veneração daqueles que elas representam.
As imagens são símbolos, representações de homens e mulheres que dedicaram suas vidas à abnegação, à santidade e à devoção a Deus. Pessoas que renunciaram a si mesmas para viver em favor dos pobres e dos oprimidos, em busca de santidade. Quando um católico se ajoelha diante de uma imagem, não está adorando pedra ou gesso, mas honrando a memória e o exemplo de quem viveu uma vida santa e já está na glória de Deus. Santos como Padre Pio, São Francisco de Assis e tantos outros são venerados não por serem divinos, mas porque sua santidade foi reconhecida pela própria Igreja.
Além disso, há uma lógica espiritual inquestionável na intercessão dos santos. Se um cristão pede a intercessão de seus irmãos de fé aqui na Terra—se pede ao pastor, ao padre ou a qualquer amigo que ore por ele—por que recusaria a intercessão daqueles que já estão junto a Deus? Se confiamos em irmãos pecadores para interceder por nós, por que não confiar naqueles que estão, incontestavelmente, mais próximos do Criador? A raiz dessa resistência encontra-se, em grande parte, na teologia protestante, especialmente em algumas seitas como o adventismo do sétimo dia. Os adventistas pregam a doutrina do “sono da alma”, segundo a qual, ao morrer, a alma não vai imediatamente ao Paraíso, mas permanece em um estado de repouso até a ressurreição final.
Um dos textos bíblicos frequentemente usados para sustentar essa tese é a passagem do bom ladrão na cruz. Segundo a narrativa evangélica, um dos ladrões zombava de Jesus, enquanto o outro o repreendia: “Nós recebemos o que os nossos atos merecem, mas este homem não fez mal algum.” Então, dirigindo-se a Cristo, pediu: “Senhor, lembra-te de mim quando entrares no teu Reino.” Jesus, em resposta, disse: “Em verdade te digo, hoje estarás comigo no Paraíso.” Os adventistas, contudo, insistem em deslocar a pontuação, interpretando o versículo como: “Em verdade te digo hoje, estarás comigo no Paraíso”—como se Jesus estivesse apenas fazendo uma promessa futura, sem implicar a entrada imediata do ladrão arrependido no Paraíso. Recordo-me de um debate que tive com uma senhora adventista que alugava um quarto para mim em Ubatuba. Quando ela mencionou essa interpretação, pedi que pegasse a Bíblia e lesse o texto exatamente como estava escrito. Ao fazê-lo, percebeu que a vírgula interpretativa não existia ali. Seu rosto mudou. “Nossa, é verdade”, murmurou. “Vou perguntar ao meu pastor.” Nunca mais voltou ao assunto.
Até onde sei, o adventismo é uma das poucas seitas que ainda defendem essa ideia do “sono da alma”. De modo geral, os protestantes concordam que a alma é imortal, criada por Deus e destinada à eternidade—seja no Paraíso ou no inferno. E é justamente aqui que a noção de “sono” se desintegra. A alma não dorme. Ela é imortal. Criada por Deus, nunca será destruída. Algumas correntes teológicas até defendem que os condenados no inferno deixarão de existir, mas essa ideia também não se sustenta. Se a alma fosse extinta no inferno, precisaria primeiro ser enviada para lá, o que já anularia essa suposta aniquilação.
A questão essencial é: qual será a eternidade de cada alma? Estar próximo de Deus—o que chamamos de Paraíso—ou afastado d’Ele—o que chamamos de inferno? A concepção do Paraíso como um estado de união com Deus é evidente. No entanto, há um detalhe filosófico a ser observado: não podemos dizer que estaremos na eternidade com Deus, pois apenas Deus é eterno. Se entramos na eternidade em algum momento, então ela já não é absoluta, pois pressupõe um ponto de entrada. Esse é o motivo pelo qual Jesus afirmou que estava preparando moradas para nós. O Paraíso é uma criação de Deus para aqueles que são salvos, mas não é a própria eternidade divina.
Foi em meio a debates como esse que minha repulsa ao catolicismo se intensificou. Eu não apenas discordava das doutrinas da Igreja—eu as combatia ativamente. No entanto, quando finalmente encontrei o catolicismo raiz, minha resistência tornou-se impossível. A verdade era irresistível.
Em 2017, trabalhava à noite como professor eventual. Durante o dia, dedicava-me ao estudo do Catecismo, um livro que, até então, eu jamais havia lido, mas que desarmava, página por página, todas as falácias que eu havia sustentado por anos. Naquele dia, ao sair de casa para trabalhar, escrevi no Facebook:
“A partir de hoje, vocês podem me chamar de católico.” Fechei o aplicativo e fui dar aula. Quando retornei, por volta das 23h, o caos havia se instalado. Meu celular estava inundado de notificações. Havia comentários, links, mensagens de protestantes e católicos, cada qual reagindo à sua maneira. De um lado, páginas católicas compartilhavam minha conversão como um testemunho de fé. De outro, protestantes me atacavam acusando-me de ter perdido a razão. Em um instante, eu havia passado de “inteligente” a “burro” para uns, e de “herege” a “salvo” para outros.
Mas, naquele momento, não importava a gritaria ao redor. Importava apenas o essencial: eu havia encontrado a verdade.
Ainda assim, foi uma conversão. Uma tomada de decisão real, definitiva. Hoje, em 2025, após oito anos desde aquele dia, posso dizer com plena convicção que sou católico há pelo menos um ano e meio ou dois. Na época, porém, minha compreensão era incompleta. Havia muitas ressalvas em minha mente—sobre a intercessão de Maria, a mariologia, a mediação dos santos, a estrutura da missa. Eu tinha uma infinidade de dúvidas, mas, apesar disso, aquele foi o início de uma jornada.
Essa jornada, hoje, transformou-se em missão. Atualmente, estou trabalhando em um projeto de catequese, estruturado em uma duologia de livros. No primeiro volume, relato minha conversão e as reflexões que emergiram desse processo. O segundo começa a partir desse ponto e narra minha experiência ao ingressar, pela primeira vez, em uma missa, sem compreender absolutamente nada do que acontecia ao meu redor.
Entrei na igreja e tudo me era estranho. Eu não sabia o que significava o vaso sagrado no altar, desconhecia a função do ambão, não entendia o propósito das leituras, dos gestos, do incenso. Não sabia por que deveria me levantar, ajoelhar ou fazer o sinal da cruz na testa, nos lábios e no peito. Tudo parecia um código indecifrável.
Foi então que percebi algo essencial: a própria missa é o catolicismo. Toda a fé da Igreja pode ser explicada a partir da liturgia. Se alguém deseja compreender o que é ser católico, basta analisar a missa em sua totalidade—seus símbolos, seus ritos, suas orações. É nela que reside a história viva da Igreja. Dessa constatação nasceu meu propósito: produzir um material que ajude aqueles que, como eu, buscam compreender o catolicismo sem precisar passar anos acumulando leituras dispersas e estudando por tentativa e erro. Minha conversão exigiu um processo longo e solitário—li incontáveis livros, assisti a inúmeros cursos do Padre Paulo Ricardo, procurei respostas em fontes diversas. O que desejo, agora, é condensar esse conhecimento e torná-lo acessível.
É um trabalho árduo, sem dúvida. Mas vejo nele uma necessidade urgente. Não apenas para os que chegam à Igreja, mas também para aqueles que, já dentro dela, carecem de uma catequese sólida.
Tome como exemplo algo aparentemente simples: a cor da vestimenta do padre. Se ele está usando verde, por quê? Para responder a essa questão, é preciso explicar o tempo litúrgico, o calendário da Igreja e sua diferença em relação ao calendário civil. O que é o Advento? O tempo Pascal? O tempo comum? Para compreender esses conceitos, é necessário mergulhar na tradição da Igreja, remontando até os concílios que moldaram a liturgia.
Meu objetivo, portanto, é construir um guia que sirva tanto para os iniciantes quanto para os fiéis mais avançados, oferecendo-lhes um caminho claro para compreender o que acontece na missa e, por extensão, na própria fé católica.
Infelizmente, o trabalho de catequese nas paróquias muitas vezes deixa lacunas. Posso afirmar isso por experiência própria. Fiz catequese para receber o Crisma, e embora reconheça o esforço da catequista, percebo hoje que muitos pontos essenciais foram deixados de lado—seja por falta de tempo, seja por falta de preparo. Mas faço esse trabalho, antes de tudo, por Deus.
Se há algo que minha conversão me ensinou, é que boa parte do ódio ao catolicismo nasce da ignorância. A imensa maioria dos opositores da Igreja não rejeita o catolicismo real, mas sim um espantalho construído a partir de preconceitos e informações distorcidas.
Nosso dever, então, é levar esse conhecimento ao maior número possível de pessoas. Porque posso garantir: uma vez que alguém conhece o catolicismo de verdade, o ódio se torna impossível. O que resta é o amor. Um amor incondicional, que conduz à rendição total e absoluta diante da verdade.

Kauê Agramont Varela

2 comentários em “Do Abismo à Graça: A Jornada de um Anticatólico à Verdade da Igreja

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Voltar ao topo